Vida de feirante

Maray Furnari, como se viene haciendo costumbre, inaugura las crónicas. Esta vez, sin traducción de por medio, con el encanto de su idioma.

Estou acostumada a acordar cedo. Família de feirantes. Dos avôs até hoje, todo mundo vivendo do que é possível vender numa barraca. Cebola, queijos, tomates e pepinos. Bananas e uvas. Melancia na época de melancia. Caqui na época de caqui.
Eu sou a última geração. Modernidade. Crise financeira global e o escambau. Quis inovar.
Agora estou aqui. Na minha barraca de feira.
Semana passada até que foi bom. Era época de Garcia Marques. Vendi uma meia dúzia praquela mulher sonhadora do apartamento em frente. Garcia Marques é bom pra mulheres sonhadoras. Se forem solteiras aos quarenta anos, como é o caso dela, melhor ainda.
Ontem mesmo vendi alguns pro moleque do fim da rua. Algum Poe. Ele vive com os olhos abertos, espantados. Achei que um pouco de Poe faria bem. Pelo menos daria motivos literários praqueles olhos espantados.
Mas hoje a coisa está feia. Já passaram pela banca moças pedindo aquele lá, aquele tal Coelho, mas eu nunca tive. Não vendo produtos de má qualidade. Sugeri outros, elas nem ouviram. Coitadas, só ouvem o que querem ouvir. Foram pro açougue em frente. Diz que lá está cheio de Coelhos. Faz sentido.
Veio também aquela velhinha, querendo Baudelaire. Os olhinhos brilharam ao pedir. Sorria sozinha, enfiada nas lembranças. Não vendi. Dei de presente.
Quem aos oitenta brilha os olhos por Baudelaire merece.
E assim vou levando minha vida de feirante. Acordo cedo, monto a barraca, espalho meus produtos ao lado da barraca de bolachas e encostado na de pastel. Já reclamei com a dona dos pastéis que engorduram meus produtos. Mas é a vida. Um pouco de sol, um pouco de gordura, muitos cheiros, folhas e vento.
Qual Borges não gostaria?
Espero agora ansiosa a época de Machados. Inverno. Onde o olhar oblíquo das Capitus esquenta as noites. Inverno vende bem.
Duro é acordar cedo pra montar a barraca...